sábado, 22 de junho de 2013

BHAGAVADGITA X YOGA - O primeiro livro de Yoga Por: Glória Arieira

Bhagavadgita é o texto sagrado da Índia. O longo poema é também um tratado sobre Yoga, e tem inúmeras interpretações e textos criados sob sua inspiração no Ocidente. Para mostrar um pouco mais da influência da história do príncipe guerreiro Arjuna e o deus Krishna a caminho da batalha sobre nossas vidas – e prática de Yoga, que, no fundo, são uma coisa só — , convidamos uma das maiores especialistas em Vedanta no Brasil, Gloria Arieira. Apesar de o texto ter sido escrito há cerca de dois milênios, sua mensagem para nos desapegar dos resultados das nossas ações é tão atual quanto necessária. A relação entre a Bhagavadgita e a nossa prática A Índia é o lugar de origem do Yoga que hoje está presente em todos os continentes, famoso entre artistas, políticos e pessoas mais comuns. Fala-se em Yoga clássico, Yoga cristão, Yoga de Patanjali, Ashtanga Yoga e tantos outros nomes, às vezes apenas uma maneira de tentar se diferenciar. Mas o berço do Yoga é o Veda, o corpo de conhecimento mais antigo da humanidade que está vivo, ainda hoje, na Índia. O conhecimento do Veda recebeu o nome de Hinduísmo pelo europeu no século passado, e foi classificado como religião. Mas o Veda faz parte de um conjunto chamado de Sanatana Dharma ou Vaidika Dharma. Dharma significa Lei Universal em sânscrito. Sanatana significa eterna, a Lei Universal Eterna revelada no Veda, por isso denominada de Vaidika (o que tem origem ou pertence ao Veda). O Veda é imenso, e são ainda mais vastas as áreas de conhecimento derivadas dele, como a dança-teatro, a música, a saúde, a arquitetura, a gerência de uma sociedade, entre outras. Todas essas áreas de conhecimento fazem parte da tradição védica, o Vaidika Dharma, que compreende vários textos. Entre esses textos encontramos a Bhagavadgita, a “Canção do Senhor”. Gitam é uma palavra de gênero neutro transformada em feminina – Gita. O conhecimento é visto como feminino, como uma mãe que abençoa seus filhos de maneiras diferentes, conforme suas necessidades e desejos. Bhagavad significa Senhor, aquele que possui qualidades, bhaga, em medidas totais. Esse texto relata o diálogo entre o discípulo Arjuna e seu mestre, Sri Krishna, no campo de batalha, antes que tivesse início uma guerra inevitável entre primos e amigos. O texto da Gita, como ela é carinhosamente chamada, é encontrado no meio do grande épico de 18 capítulos, o Mahabharatam, contado pelo sábio Vyasa e que, em linguagem acessível, revela os mesmos conhecimentos expostos no Veda sobre os mistérios da ação e seus resultados e do conhecimento do Ser absoluto, conhecimento esse que liberta o indivíduo do ciclo de nascimentos e mortes. É dito que o que não se encontra no Mahabharatam simplesmente não existe. Arjuna e Krishna são primos e amigos. Arjuna sabe que Krishna não é uma pessoa comum, sabe que ele possui um conhecimento especial, mas até aquele momento, antes de começar a guerra, não tem interesse especial pelo conhecimento. Krishna, como tantos sábios, sabe que o conhecimento do Ser absoluto não pode ser oferecido, tampouco ensinado para qualquer pessoa. A primeira condição é o desejo e o pedido. Naquele momento especial, Arjuna dirige-se a Krishna e pede que lhe seja ensinado sobre o Ser eterno e pleno, conhecimento que o libertará do sofrimento característico do ser humano, a sensação constante de carência. Arjuna pede o conhecimento e o meio para alcançá-lo. O meio que possibilita o entendimento do Ser absoluto é chamado de Yoga na Bhagavadgita. Yoga é uma palavra em sânscrito que possui muitos significados; yogi ou yogini, palavras masculina e feminina respectivamente, designam a pessoa que pratica Yoga. Esse é o termo que usamos atualmente, “praticar Yoga”, mas na Bhagavadgita o correto é viver Yoga. Não é somente uma prática isolada, mas um conjunto de práticas determinadas pelo que se deseja alcançar. Yoga é um estilo de vida dirigido à preparação de uma pessoa para a aquisição do conhecimento do Ser livre da limitação. Essa preparação ou capacitação compreende algumas qualificações da mente e do corpo, pois os dois constituem uma unidade, o indivíduo. Sri Krishna na Gita diz que existem três tipos de pessoa: o impulsivo, o deliberado e o espontâneo. Chamados de aviveki, viveki e jnani respectivamente. Os animais estão fora desta denominação, pois não têm capacidade de escolha, são governados por padrões específicos de instintos e portanto não cometem erros. Cada animal age de acordo com seu grupo. É o ser humano, abençoado por um intelecto, que pode escolher agir de uma maneira ou de outra ou não agir. Algumas vezes o ser humano age impulsivamente, sem usar seu poder de deliberação, e arca com as conseqüências. Ser deliberado é estar alerta de agir consciente em suas escolhas e nas conseqüências delas. O espontâneo é muitas vezes confundido com o impulsivo, mas enquanto que o último age sem deliberar, movido pelos desejos, o primeiro age visando à harmonia universal, independente de desejos pessoais e livre de conflitos. O deliberado é o yogi, aquele que aprende a conduzir a si mesmo deliberadamente, exercendo suas escolhas de maneira consciente. Torna-se importante entender a si mesmo, os impulsos, carências, dificuldades e facilidades, mantendo-se atento às suas reações mecânicas e impulsivas quando a clareza de sua discriminação desaparece. A pessoa é como que tomada pelo poder das reações, dos desejos, dos conflitos, e torna-se por um momento impotente. E o yogi tem o valor por estar alerta, por ser deliberado. Para conquistar a si mesmo, o yogi vive uma vida consciente, da qual fazem parte as práticas de asanas, pranayamas e meditação. O método apresentado por Sri Patanjali, mestre dos Yoga-sutras, e ensinado por Sri Krishna no capítulo seis da Bhagavadgita é chamado de abhyasa-vairagya (“repetição-renúncia”). Abhyasa, a repetição, é a prática que se repete até que seja conquistada, e a renúncia, vairagya, refere-se ao que é percebido como um obstáculo ao objetivo de autoconhecimento. Como não são práticas isoladas, mas um conjunto de práticas que estrutura a vida diária, Yoga é reconhecido como um estilo de vida, e a pessoa compromissada com o Yoga é o yogi ou a yogini. Com um mente-corpo preparado, a pessoa descobrirá o desejo pelo autoconhecimento e encontrará os meios para alcançá-lo – uma pessoa que possa lhe ensinar dentro dos moldes mais tradicionais, já usados por Sri Krishna para ensinar Arjuna. O método de aprendizado inclui o escutar os ensinamentos, o refletir sobre o que foi dito e o contemplar sobre o que foi entendido. Assim Krishna ensinou a Arjuna e essa tradição vem sendo preservada e mantida viva até hoje. O momento em que o desejo pelo conhecimento mais profundo de si mesmo aparece é sagrado, é especial. É por isso mesmo que o mestre Krishna pára tudo o que está fazendo, sentindo-se feliz com o pedido do seu agora discípulo Arjuna e lhe ensina seguindo a mesma tradição antiga que é o vaidika dharma, a tradição dos Vedas antigos. “A Bhagavadgita é também um grande texto de Yoga. Ela enfatiza a idéia de que o caminho para um poder mais elevado não implica que devemos negligenciar ou nos recusar a cumprir nossas obrigações na vida. Isso é o que torna a Bhagavadgita única. O livro nos diz que nossa busca não deveria ser uma fuga da vida. Ele relaciona muitas coisas das Upanishads de uma maneira bem fácil de entender, e, contém importantes indicações sobre coisas tais como técnicas de respiração e nutrição.” (do livro The Heart of Yoga, de Desikachar) “Sob o domínio do apego, com a mente incapacitada para decidir o que deve ser feito por mim, peço-lhe: ensine-me aquilo que é afirmado decisivamente como absoluto. Sou seu discípulo. Ensine-me, pois me entrego a você.” Bhagavadgita capítulo II, verso 7 “Estando firme no Yoga, abandonando o apego e mantendo a mesma atitude frente ao sucesso e à derrota, faça ações, Arjuna. O equilíbrio da mente é Yoga.” Bhagavadgita capítulo II, verso 48 http://yogajournal.terra.com.br/show_yoga.php?id=1301